Uma das complicações mais incapacitantes que acomete as pessoas com doenças crônicas avançadas do fígado é a encefalopatia hepática.
A prevalência de encefalopatia no momento do diagnóstico de cirrose é de 10-14%, sendo de 16 a 21% na cirrose descompensada.
O desenvolvimento de encefalopatia reflete uma falência do órgão em manter as suas funções. Pode ocorrer em um contexto de hepatite fulminante, na presença de shunts porto-sistêmicos e na cirrose. Nesse artigo, vou me deter a comentar sobre a encefalopatia que ocorre cirrose.
Então, vamos lá!
O que é encefalopatia hepática?
Para começar, vamos entender o que é essa condição: a encefalopatia hepática é definida como uma condição neuropsiquiátrica relacionada à doença hepática. Ou seja, trata-se da alteração do estado mental em indivíduos que possuem doenças do fígado.
Pessoas que têm cirrose podem ter alterações do nível de consciência, bem como, alterações neuropsiquiátricas. Essas alterações se manifestam de diferentes formas, desde um quadro clínico muito sutil, chamado de encefalopatia mínima ou “encoberta” (onde os sintomas são imperceptíveis no dia-a-dia, mas que podem ser detectados através de testes psicométricos e/ou neurofisiológicos específicos), passando por lentidão nas tarefas diárias, mudanças de comportamento, esquecimentos, fala arrastada, podendo chegar ao coma.
E por que ocorre a encefalopatia hepática?
Antes de mais nada, precisamos compreender porque acontece a encefalopatia nos pacientes com cirrose. Um dos motivos principais é que o fígado elimina toxinas do organismo, assim como os pulmões, os rins e os músculos.
A encefalopatia hepática ocorre quando o fígado não consegue mais eliminar as toxinas do organismo de maneira eficiente e suficiente. Tais toxinas incluem, dentre outras, a amônia, que se origina da degradação das proteínas a nível intestinal. A amônia em alta concentração no sangue, por conta da falha nos processos hepáticos, leva à disfunção cerebral, ou seja, uma alteração neuronal.
Apesar do aumento na concentração da amônia exercer uma papel central no desenvolvimento da doença, outros mecanismos também contribuem, como o estresse oxidativo, o aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica, além do surgimento de astrocitose.
A astrocitose e edema dos astrócitos é um mecanismo muito semelhante que ocorre em pessoas com Alzheimer. Por esse motivo, pacientes com encefalopatia hepática podem apresentar um quadro demencial muito parecido com o quadro de Alzheimer.
Então todo paciente com cirrose com alterações de comportamento tem encefalopatia hepática?
Nem sempre. É muito importante que outras causas de modificações do estado mental sejam descartadas.
Confira abaixo doenças que podem ser confundidas com encefalopatia hepática:
- Demência senil
- Doença de Alzheimer
- Hematomas cerebrais
- Doença de Parkinson
- Meningite
- Atrofia cerebral causada pelo álcool
- Isquemia cerebral
Quais são os fatores desencadeantes da encefalopatia hepática na cirrose?
Quando o paciente com cirrose, desenvolve um episódio de encefalopatia hepática, deve-se procurar fatores que possam ter desencadeado essa alteração para poder corrigi-los.
Confira abaixo os principais fatores desencadeantes de encefalopatia hepática:
- Infecções
- Sangramento gastrointestinal
- Constipação
- Desidratação
- Uso de sedativos
- Consumo inadvertido de bebidas alcoólicas
É válido ressaltar também que a encefalopatia hepática pode, sim, ocasionar danos crônicos no paciente, com um quadro semelhante a um quadro demencial. Como se percebe isso? Se o paciente possui encefalopatia hepática persistente, ou seja, que não volta ao normal, ou encefalopatia hepática recorrente, que apresenta melhora e piora sem estabilizar, essa pessoa pode possuir uma alteração cerebral que pode permanecer mesmo após o paciente ter melhorado as funções hepáticas e, inclusive, após transplante.
Atualmente, o foco do hepatologista é tentar prevenir as possíveis recorrências da doença. Logo, o paciente que teve uma doença do fígado, uma cirrose, que teve quadro de encefalopatia hepática, em princípio, ele mantém o tratamento enquanto estiver com o fígado doente. Tudo, sempre, acompanhado de um médico hepatologista.
A encefalopatia hepática é tão grave que o paciente pode chegar ao coma com necessidade de intubação por incapacidade de respirar de maneira adequada. Então, é necessário manter acompanhamento médico e levar o tratamento a sério.
Não são todos os pacientes com cirrose descompensada e perda de função do fígado que desenvolvem essa doença. Algumas pesquisas indicam que existe, também, uma base genética que torna o paciente predisposto a adquirir encefalopatia hepática. Ou seja, a possibilidade de o indivíduo com doença hepática vir a desenvolver encefalopatia hepática é determinada geneticamente.
Como é feito o diagnóstico de encefalopatia hepática?
O diagnóstico de encefalopatia hepática é basicamente clínico, ou seja, através da identificação de mudanças no estado mental em pacientes com cirrose.
Exames de sangue, como a concentração de amônia sérica, associados a exames de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância magnética, além do eletroencefalograma podem ajudar na abordagem do paciente.
Quais são os sintomas da encefalopatia hepática?
Antes de o indivíduo apresentar sintomas de encefalopatia hepática, ele terá um período de encefalopatia encoberta, ou seja, sem sintomas. Os primeiros sintomas que se manifestam costumam ser alteração do ciclo circadiano (falta de sono à noite e muito sono durante o dia), perda de memória e tremores nas mãos.
Com o tempo vão surgindo outros sintomas como lentidão de raciocínio, falta de coordenação motora constante, esquecimentos, abdômen inchado, olhos e pele com tons mais amarelados e, em casos mais graves, o indivíduo pode entrar em coma.
O médico hepatologista deve ficar atento a quadros de encefalopatia no paciente que possui quadro de cirrose e avaliar ativamente possíveis alterações do estado mental. Assim como pessoas que não possuem diagnóstico de doença hepática e começam a apresentar mudanças estranhas de comportamento, também devem considerar alterações hepáticas e buscar auxílio médico.
Pacientes com doença hepática crônica podem ter os níveis de reflexo diminuídos, o que faz com que atividades que exijam altos níveis de concentração e precisão como por exemplo, dirigir e trabalhar com cortes, se tornem perigosas para a integridade física do indivíduo. Logo, a pessoa deve excluir, se possível, esse tipo de atividade de seu cotidiano.
Como é o tratamento para encefalopatia hepática?
A forma de tratamento pode variar de acordo com as causas da doença. Inclusive, um dos medicamentos mais comumente utilizados nesse processo é a lactulose. Trata-se de um laxativo não absorvível e é utilizado tanto para tratamento, quanto para prevenção da encefalopatia hepática.
O objetivo com o uso de lactulose é fazer com que as fezes não fiquem muito tempo paradas no intestino, logo, o organismo absorve menos as toxinas como a amônia. Mas, todo laxativo não faz isso? Sim, porém, o diferencial da lactulose é que ela realiza também uma descontaminação intestinal seletiva. Ou seja, ela diminui a quantidade de bactérias intestinais que produzem amônia.
Porém, quando o paciente já possui mais de um episódio de encefalopatia hepática, ou que a doença volta a se agravar, pode precisar, juntamente com a lactulose, de um antibiótico não absorvível chamado rifaximina.
O aspartato de L-ornitina, um medicamento que aumenta a captação de amônia pelo músculo, também pode auxiliar no tratamento. Inclusive, nos pacientes em coma hepático, ele pode ser administrado via intravenosa.
Os sedativos devem ser usados com extrema cautela em pacientes com cirrose, pois eles são fatores desencadeantes de encefalopatia hepática, especialmente, os de tarja preta. O médico hepatologista deve estar ciente de todos os medicamentos que o paciente está ingerindo para poder auxiliar da melhor forma.
Além disso, pacientes com cirrose, com doença hepática crônica avançada, que apresentam encefalopatia hepática persistente ou recorrente, devem pensar na possibilidade de um transplante de fígado. Isso porque o fígado nessa situação está indicando uma falência, uma incapacidade de continuar trabalhando.
Antes de finalizar esse artigo, gostaria de ressaltar que o paciente com cirrose deve estar atento aos seus aspectos nutricionais, mantendo atividade física associada. É conhecido que pacientes com doença hepática e pouca massa muscular (conhecida como sarcopenia) apresentam uma evolução pior e com mais chances de desenvolver encefalopatia de difícil controle.
Conclusão
A encefalopatia hepática é uma condição causada pela incapacidade do fígado de filtrar toxinas que ficam circulando pelo no organismo e podem causar danos neurológicos com sintomas muito semelhantes aos de Doença de Alzheimer. O tratamento pode ser feito com medicamentos, mudança de hábitos e, em casos graves, transplante hepático.